domingo, 19 de outubro de 2014

Uma história do Choro

http://ggnnoticias.com.br/sites/default/files/documentos/acervos_obrasraras_ochoro.pdf

"Os gêneros musicais são categorias sonoras que compartilham elementos em comum. Os gêneros definem e classificam músicas em suas qualidades, e, dentre os diversos elementos que concorrem para a definição dos gêneros, podem-se apontar a instrumentação, a estrutura e a contextualização, seja ela geográfica ou cronológica." (FARIA, 2006, p.4)
Tomando por base a definição acima, pode-se dizer que o choro apresenta suas primeiras características musicais como gênero a partir da segunda metade do século XIX, quando músicos brasileiros se organizam de maneira não-formal, em pequenos grupos instrumentais, para a prática musical. Nessa ocasião, era comum que os grupos de músicos procurassem interpretar, de maneira espontânea e criativa, danças populares européias, como a polca, a valsa e a mazurca. Esses músicos eram, em sua maioria, funcionários públicos, da Alfândega, dos Correios e Telégrafos, da estrada de ferro Central do Brasil e de outros serviços públicos na cidade do Rio de Janeiro. Consta na Enciclopédia da Música Brasileira que:
"O choro foi o recurso de que utilizou o músico popular de executar (sic), a seu modo, a música importada, que era consumida, a partir da metade do século XIX, nos salões e bailes da alta sociedade." (MELLO, 2000, p.68)
O choro se desenvolveu musicalmente a partir de uma organização formal típica da música popular européia, baseada na forma rondó. A estruturação melódica também se deu em caráter essencialmente tonal, herdado da tradição da música produzida na Europa. Ritmicamente, pode-se afirmar que o choro logo assumiu características típicas da música de origem afro-brasileira, sobretudo após a consolidação dos gêneros batuque, lundu e maxixe. Adquiriu também um estilo interpretativo nostálgico e choroso.
Alguns historiadores consideram que o nome “choro” surgiu deste caráter plangente associado ao gênero. No entanto não há consenso entre os estudiosos do tema no que se refere à gênese do termo choro - ainda hoje muito discutida. Segundo Diniz, “é provável que tenha surgido, na segunda metade do século XIX, a partir da colisão cultural‟ entre chôro de chorar e chorus, igual a coro em latim.” (DINIZ, 2002,p.43)
Chorus, em latim, quer dizer “o coro” (do espetáculo teatral). Tem ainda o sentido, em Horácio, de “multidão dos que cantam e tocam” (em conjunto). Para Cícero, “qualquer multidão ou ajuntamento”. O que a definição acima sugere é uma graciosa confusão fonética entre choro em português, que se relaciona ao caráter plangente do nosso gênero musical, e Chorus em latim, que pressupõe um agrupamento de músicos diletantes ou não.
Henrique Cazes faz um resumo dos diversos significados, entre as fontes consideradas relevantes:" O folclorista Luís da Câmara Cascudo acreditava que o Choro vinha de um xolo, um baile que os escravos faziam nas fazendas, e que teria a palavra gradativamente mudada para xoro e, finalmente, Choro. Ary Vasconcelos crê que o termo teria origem nos choromeleiros, corporação de músicos de importância no período colonial e assinala que esses músicos não executavam somente as charamelas (instrumentos de palheta, precursores dos oboés, fagotes e clarinetes)".
José Ramos Tinhorão acredita que o choro viria da impressão de melancolia gerada pelas baixarias do violão e que a palavra chorão seria uma decorrência. (CAZES, 1998, p.18)
Originalmente na música brasileira, a palavra choro denominava o conjunto musical e as festas onde ocorriam as rodas (de choro). Segundo Paes, “a palavra choro designava o grupo instrumental composto por flauta, cavaquinho e violão, e o local onde se executavam as abrasileiradas danças européias” (PAES, 2008, p.6), o que, em certo sentido, nos remete mais uma vez à etimologia supracitada, proposta por Diniz.
Nos primeiros anos do século XX, já se usava o termo choro para mencionar um gênero consolidado. Hoje, ele tanto pode ser usado nessa acepção como para designar um repertório de obras que inclui vários gêneros musicais.
Quando surgiu o choro, o Brasil ainda se baseava muito fortemente num modelo cultural importado da Europa. Neste período, o choro passou a absorver de forma intensa a cultura musical européia,sobretudo por meio de suas danças de salão e orquestras. Mas as danças européias chegavam ao conhecimento dos músicos brasileiros a partir de partituras trazidas da Europa, e eram por eles interpretadas com formações instrumentais distintas daquelas para as quais foram escritas, e de uma forma mais livre e despojada de rigores técnicos e interpretativos. A improvisação era predominante em forma de variações rítmicas e melódicas sobre o tema escrito, o que passou a ser um recurso musical característico do músico especializado no gênero.
O flautista Joaquim Callado (Rio de Janeiro, 1848-1880) foi pioneiro na formação de um conjunto de choro, composto por flauta, cavaquinho e dois violões. Callado era um músico de grande fama na época pelo seu virtuosismo e por sua capacidade de interpretação e improvisação. Foi o autor da polca “Flor Amorosa”, considerada por muitos estudiosos do choro como a primeira obra dotada genuinamente das características formais do choro clássico, estruturada em três partes, com as modulações tonais características, sendo publicada pela primeira vez em 1880. Outros compositores, pioneiros da linguagem do choro, como Ernesto Nazareth (Rio de Janeiro, 1863-1904) e Chiquinha Gonzaga (Rio de Janeiro, 1847-1935), destacam-se nesse período. Nazareth consolidou o “tango brasileiro”, gênero que tem o acompanhamento sincopado, semelhante ao maxixe, porém com caráter mais sóbrio e grande sofisticação harmônica. A obra de Ernesto Nazareth contribuiu muito para enriquecer o repertório do choro. Além disso, Nazareth foi responsável por levar ao piano a rítmica das polcas e lundus tocados pelos grupos instrumentais de choro. É autor dos clássicos “Brejeiro” (1905), sua primeira obra gravada, Odeon (1910) e “Apanhei-te Cavaquinho” (1915). Chiquinha Gonzaga foi a primeira mulher a se profissionalizar como musicista popular e maestrina, produzindo centenas de obras que marcaram a história da música e do teatro brasileiro. Ela representou a luta pela liberdade das mulheres no Brasil e a promoção da nacionalização musical. Foi pioneira em vários sentidos. Primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, primeira pianista de choro, introdutora da música popular nos salões nobres e fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais.
A polca foi o gênero que mais se popularizou entre os grupos de choro desta época, tornando-se a matriz rítmica que influenciou primordialmente a formação do choro como linguagem, ainda no século XIX. "Gênero originário da Bohemia, Tchecoslováquia, de onde a partir de 1837 (data da primeira partitura impressa em Praga) iria se espalhar rapidamente pela Europa e por todo o mundo. No Brasil, teria sido apresentada pela primeira vez em julho de 1845 no teatro São Pedro, no Rio de Janeiro. A partir daí tornou-se uma coqueluche nacional, sendo incorporada ao repertório de inúmeros instrumentistas e compositores como Callado, Anacleto de Medeiros, Irineu de Almeida, entre muitos outros." (ARAGÃO, 2002, p. 4.)
Roberto Moura, ao se referir à polca, afirma que "sua semelhança, na divisão rítmica, com o lundu permite uma fusão nacional e sugere uma forma moderna de dançar que teria seus desdobramentos no maxixe. "(Moura, 1983, p.53)
A música gerada sob o impulso improvisatório dos músicos de choro logo perdeu as características dos países de origem e adquiriu caráter essencialmente brasileiro. O choro, até então organizado principalmente sobre as características musicais da polca, passa a sofrer, na passagem para o século XX, um processo de “nacionalização”, assumindo progressivamente a síncope rítmica, não presente nos estilos europeus que constituíram sua fonte original.
 (...) "Pode-se dizer assim que o nosso choro primitivo eram polcas tocadas à moda brasileira, ou seja, polcas que incorporavam a síncope do batuque. À proporção que o tempo avançou, cresceu a influencia nacional tornando o choro mais sincopado, mais próximo do samba, embora tenha permanecido, de modo geral, a forma rondó de três partes herdada da polca." (SEVERIANO, 2008, p.34)
Se, por um lado, o choro se constituiu enquanto gênero musical a partir de uma estruturação formal, harmônica e melódica nos moldes da música produzida na Europa,por outro, assumiu características rítmicas dos gêneros de origem africana, tendo o lundu como principal fonte deste processo. O lundu era originalmente uma dança de roda e umbigada angolana, trazida pelos escravos na segunda metade do século XVIII, acompanhada por atabaques. Mais tarde o lundu foi introduzido nos salões das cortes de Brasil e Portugal, assumindo a forma de canção, acompanhado ao piano, muito semelhante à modinha.  "A integração do lundu com as danças européias gerou novos gêneros musicais como a polca-lundu ou o tango-lundu. Podemos afirmar que o lundu foi o principal canal por onde a influência africana chegou ao choro." (PAES, 2008, p.22)
Os ritmos advindos da África eram inicialmente executados por instrumentos de percussão. Posteriormente, além do piano, em sua execução adotaram-se outros instrumentos musicais provenientes da Europa. A interpretação, a instrumentação e o caráter expressivo se fundiam estilisticamente nos ritmos Africanos e Europeus, gerando uma nova estética sonora.
"O choro das últimas décadas do século XIX abarcava diversos gêneros estrangeiros abrasileirados: valsas, polcas, quadrilhas, schottisch passeavam pelas flautas, cavaquinhos, violões, oficleides e clarinetes dos músicos ao sabor da cultura afro-carioca. O choro era filho da polca européia com ritmos afro-brasileiros." (DINIZ, 2002 p.22)
Os chamados chorões, ou músicos de choro - na ocasião do surgimento do gênero em meados do século XIX - tocavam de forma diletante nos quintais, salões, clubes e bares das comunidades urbanas brasileiras. Normalmente exerciam outra profissão, que lhe garantiam o sustento, sendo poucos os que se dedicavam integralmente à profissão de músico. Tais músicos foram pioneiros na formação do choro como gênero musical. Em 1936, o violonista, cavaquinista e carteiro Alexandre Gonçalves Pinto, o “Animal”, lançou o livro de crônicas O Choro - Reminiscências dos Chorões Antigos (link do livro no topo). O livro traz, conforme o autor:"o perfil de todos os chorões da velha guarda, e grande parte dos chorões d‟agora, fatos e costumes dos antigos pagodes, este livro faz reviver grandes artistas musicistas que estavam no esquecimento" (PINTO, 1978, p.94) De acordo com as condições profissionais das dezenas de músicos de choro descritos pelo carteiro “Animal”, em seu livro, a maior parte deles eram funcionários públicos, servidores dos Correios, da Alfândega, da Marinha e de outros setores emergentes. A atividade dos músicos populares naquele período era extremamente marginalizada, não lhes havendo outra alternativa que atuar nos setores dos serviços públicos, da indústria e do comércio, deixando a prática musical para os finais de semana e horas de lazer. Salvo raras exceções, tais músicos não tiveram acesso ao estudo formal e sistemático da música.
Tinhorão ressalta a relevância das bandas militares na formação do músico da época, ao analisar o livro de Alexandre Gonçalves Pinto:(...) "Alexandre cita a profissão de muitos chorões: carteiros, soldados, componentes das bandas de corporação, feitores de obras, pequenos empregados do comércio e burocratas. Depois dos correios, a instituição de onde mais saíam chorões eram as bandas militares. Tais bandas eram importantes núcleos formadores de músicos, e havia várias delas, frente à escassez de orquestras." (TINHORÃO, 1997, p.34)
Na passagem do século XIX para o XX, a formação instrumental dos conjuntos de choro se amplia, admitindo instrumentos como o clarinete, o oficleide, o trompete, o trombone e o bombardino. Esse fato se deve em grande parte à atuação de um dos principais mestres do choro: Anacleto de Medeiros (1866-1907). "Anacleto de Medeiros foi fundador e primeiro mestre de banda da banda do corpo de bombeiros do Rio de Janeiro, pioneiro na divulgação choro,numa época em que as bandas militares tinham por característica a dura sonoridade marcial, ela surpreendia por exibir uma maciez de interpretação que a deixava apta a transformar os gêneros estrangeiros como a polca, o schottisch, a mazurca e a habanera num gênero brasileiro – o choro." (ARAGÃO, 2002, p.4). Anacleto de Medeiros regeu a banda do corpo de bombeiros do Rio de Janeiro em solenidades, festas públicas e diante dos primeiros aparelhos de gravação da Casa Edison, deixando seu registro nos primeiros discos brasileiros. Como dissemos antes, as bandas militares responderam por parte da formação musical dos chorões da época.
"As bandas eram responsáveis pelo processo de educação musical de seus componentes. Tendo elas chorões como mestres, foi natural que houvesse um efeito multiplicador da cultura chorística, fazendo surgir mais e mais músicos que dominavam a linguagem." (CAZES, 1998, p.31).
"Além disso, participar de uma banda significava mais do que o prazer de tocar: foi muitas vezes a diferença entre a miséria e a dignidade. Até o aparecimento da Casa Edison, as únicas possibilidades de ganhar algum dinheiro com música, no Brasil, eram a edição de composições em partes para piano, o emprego em casas de música, o trabalho eventual em orquestras estrangeiras de teatro de passagem pelo Brasil, a conquista de um lugar nas orquestras do próprio teatro musicado brasileiro, o fornecimento de música para dançar (grupos de choro, ou apenas um piano) e, finalmente, o engajamento, como instrumentista, nas bandas militares."(TINHORÃO, 1981. p. 23).
"Pertenceram à geração de Anacleto de Medeiros, importantes músicos como Irineu de Almeida (Rio de Janeiro, 1873-1916), mestre na arte do contraponto melódico e professor de Pixinguinha, o cavaquinista Mário Álvares (Rio de Janeiro, 1861-1905), inventor do cavaquinho de cinco cordas, e Arthur de Souza Nascimento, o “Tute” (Rio de Janeiro, 1886-1951), que foi o primeiro violonista de sete cordas da história do choro. Músico de grande destaque desse período também foi o trompetista Albertino Pimentel (Rio de Janeiro, 1874-1929), sucessor de Anacleto de Medeiros como regente da banda do corpo de bombeiros. No repertório dessas bandas, o gênero de maior popularidade nessa época era o maxixe. Surgida inicialmente como uma dança praticada nos bailes populares da cidade nova o maxixe se desenvolveu nas primeiras décadas do século XX, executado por bandas e orquestras carnavalescas e no teatro de revista." (PAES, 2008, p. 8)
O maxixe foi a primeira dança urbana criada no Brasil. Surgiu nos “forrós” da Cidade Nova e nos cabarés da Lapa no Rio de Janeiro, por volta de 1875. Considerado imoral para os bons costumes da época, talvez pela forma sensual como seus movimentos de dança eram executados, foi perseguido pela Igreja, pela polícia, pelos educadores e chefes de família. Cazes comenta o maxixe e suas idiossincrasias no livro Do quintal ao Municipal: "... Significou primeiro uma maneira abusada de se dançar a polca abrasileirada (...). Esse gênero misturava a melodia da polca com acentos modificados e linhas de baixo similares ao lundu. (...) De todas as vertentes que compõem a musicalidade chorística, o maxixe é o ponto mais próximo da cultura afro-brasileira, tendo acento parecido com o ylú de Iansã." (CAZES, 1998, p.31-2)
Neste período, destaca-se também o maestro Heitor Villa-Lobos. Compositor cuja obra hoje é reconhecida universalmente no âmbito da chamada “música erudita”, Villa-Lobos construiu uma linguagem que transita à vontade entre as conquistas das então Vanguardas Européias, entre a tradição musical do Ocidente e entre as fontes folclóricas e populares da Música Brasileira. Nesse último aspecto, o choro entra com papel de destaque, principalmente na porção mais “nacionalista” de sua obra.
Embora originado em meados do século XIX, apenas nas primeiras décadas do século XX o choro se consolida como gênero, e principalmente a partir da obra de Pixinguinha passa a figurar como gênero instrumental de grande destaque na música popular brasileira.
Alfredo da Rocha Viana, conhecido como Pixinguinha, nasceu no Rio de Janeiro em 23 de abril de 1897 e faleceu em 17 de fevereiro de 1973. Foi flautista, saxofonista, compositor e arranjador. Pixinguinha foi um dos maiores compositores da música popular brasileira, contribuindo diretamente para que o choro encontrasse uma forma musical definitiva. A geração de músicos de choro da qual despontou Pixinguinha é marcada pelo início da influência norte americana na presença das orquestras de salão. No início da carreira musical, Pixinguinha criou o conjunto “Os Oito Batutas”, com a intenção de se apresentar no Cine Palais, onde apenas músicos da tradição erudita se apresentavam. De acordo com Paes:" Com a formação instrumental de flautas, violões, cavaquinho, bandola, pandeiro, ganzá e reco-reco, e com repertório composto por maxixes, sambas e emboladas nordestinas, a atuação do grupo fez um sucesso estrondoso, chamando a atenção de pessoas influentes da sociedade carioca, como Arnaldo Guinle, que em 1922 decidiu patrocinar uma viagem do conjunto a Paris." (PAES, 2008, p.10) Na ocasião, se deu a primeira excursão internacional de um grupo Brasileiro. Conta-se que a platéia foi surpreendida com a força rítmica da música brasileira e pela flauta virtuosística e criativa de Pixinguinha. No final dos anos de 1920, o progresso tecnológico, representado pela chegada dos microfones, auto-falantes, vitrolas e discos elétricos abre uma nova fase na história da música brasileira. No início da década de 1930 o choro, até então veiculado nos salões, nas rádios e em lugares públicos, passa a ocupar um lugar proeminente na produção fonográfica brasileira. Em conseqüência dessa inserção na indústria dos discos, proliferam os grupos, orquestras, e artistas especializados na linguagem do choro. Segundo Paes, nesse período: "Os músicos de choro irão atuar em conjuntos regionais contratados para acompanhar grandes estrelas da música vocal em programas de rádio, como a rádio Mayrink Veiga e a rádio Nacional, valorizados por terem grande versatilidade em tocar de ouvido, improvisar arranjos instantâneos e tapar os buracos da programação com um vasto repertório de choros. Pixinguinha e Radamés Gnatalli serão os principais responsáveis pelos arranjos de orquestras no acompanhamento de cantores, criando uma escola brasileira de orquestração." (PAES, 2008, p. 26)
Nos anos de 1930, teve início a “Época de Ouro” da nossa música, que duraria até o fim da década de 1940. A partir da parceria comercial do disco com o rádio, a música popular se transformou em produto de massa. Nesse período, se abre um grande mercado de trabalho para os músicos populares de uma forma geral. A atividade do compositor de música popular ganha respaldo comercial, fazendo crescer o número de sociedades protetoras de direitos autorais. Nomes importantes da história do choro deslancharam suas carreiras musicais nas rádios e orquestras desse tempo, como o bandolinista Luperce Miranda (Pernambuco, 1904-1977), o clarinetista e saxofonista Luís Americano (Sergipe, 1900-1960), o flautista Nicolino Cópia, o “Copinha” (São Paulo, 1910-1984), o ritmista Luciano Perrone (Rio de Janeiro, 1908-2001), o violonista Aníbal Augusto Sardinha, o “Garoto” (São Paulo, 1915-1955), dentre muitos outros.
A partir da década de 1930, o samba carioca se consolida como gênero, passando a assumir características próprias, deixando de se assemelhar ritmicamente ao maxixe. Nessa época, surge a primeira escola de samba, a Deixa Falar, no bairro Estácio de Sá. Aparecem compositores que contribuirão definitivamente para o desenvolvimento artístico e estético da MPB como Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola e Dorival Caymmi, entre outros. Tais compositores são acompanhados em seus trabalhos musicais por grupos chamados “regionais de choro”.O conjunto regional de maior destaque da época foi o do flautista Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), reunindo alguns dos melhores músicos de choro da história da música popular como Horondino José da Silva (“Dino Sete Cordas”, Rio de Janeiro, 1918-2006) e Jaime Tomás Florence (“Meira”, Pernambuco) no violão, e Waldiro Frederico Tramontano (“Canhoto”, 1908-1987) no cavaquinho. Entre 1946 e 1950, o grupo vive uma fase áurea, com a participação de Pixinguinha fazendo os famosos contrapontos aos solos de Benedito Lacerda no programa “O Pessoal da Velha Guarda”, dirigido por “Almirante”, na rádio Tupi. A partir de 1951, com as constantes ausências de Benedito Lacerda, Canhoto assume a liderança do grupo, convidando o flautista Altamiro Carrilho (Rio de Janeiro, 1924) e posteriormente o acordeonista Orlando Silveira (São Paulo, 1922-1993). Surgiu, então, o Regional do Canhoto, que, segundo Paes, foi “O mais célebre regional da história da música popular brasileira” (PAES, 2008, p.13).
Na década de 1940, o choro se destaca na produção fonográfica brasileira. Nesse período, se destacam as estréias em discos de grandes ícones: "Jacob do Bandolim (RJ, 1918-1969), com seu choro sambado “Treme treme” e o solista de cavaquinho Waldir Azevedo (RJ, 1923-1980), com o choro “Brasileirinho”, ambos lançados em 1947."(PAES, 2008, p.14)
Jacob do Bandolim, além de ter sido um exímio instrumentista, também era um incansável pesquisador, responsável pelo resgate e preservação da obra de vários mestres, tais como Ernesto Nazareth, Candinho do Trombone e João Pernambuco. "O espírito de preservação da memória musical brasileira norteou Jacob na organização de um extenso arquivo musical. Desde 1975 esse arquivo é mantido pelo Museu da Imagem e do Som - Rio de Janeiro, onde se encontram gravações inéditas de saraus, ensaios, além de partituras preciosas, „como as que recebeu como herança de chorões de várias gerações, em 35 cadernos manuscritos, organizados em ordem cronológica de 1887 até meados da década de 1960, contendo mais de 1.300 títulos de choros". (PAES, 2008, p.15-16).
Outros grandes músicos da época lançam seus trabalhos em disco, atingindo grande sucesso comercial, como Abel Ferreira (Minas Gerais, 1915-1980), com “Chorando Baixinho”, e o trombonista Raul de Barros (Rio de Janeiro, 1915), autor do clássico “Na Glória”. A partir da década de 1950, o choro passa a não mais ocupar um lugar de destaque na produção fonográfica brasileira, ofuscada principalmente pelo surgimento da Bossa Nova no fim dessa década. No entanto, a influência de suas características musicais se faz perceber na obra dos principais compositores desse tempo, como Tom Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, Francis Hime e Baden Powell. Na década de 1960, são lançados discos fundamentais da história do choro como Choros Imortais, volumes 1 e 2, por Altamiro Carrilho e o Regional do Canhoto e Vibrações, por Jacob do Bandolim e o Conjunto Época de Ouro. Durante os anos de 1970, o choro sofre um processo de revitalização por meio de uma maior divulgação fonográfica, principalmente por iniciativa da Gravadora Marcus Pereira, com intuito de resgatar e divulgar a obra de grandes artistas do gênero. Surgem diversos clubes do choro em todo o país, empenhados em divulgá-lo. Destaca-se o Clube do Choro de Brasília, que nasceu do encontro entre músicos na casa da flautista Odete Ernest Dias (Paris, 1929).
Nesse período, são realizados diversos festivais relacionados ao gênero e promovidos por iniciativa do poder público e das redes de televisão. Em São Paulo, a TV Bandeirantes promove o Festival Nacional de Choro, de que participam músicos de diversos estados.
Nos anos 80, com a popularização do rock brasileiro, o choro perde espaço na indústria fonográfica, embora projetos importantes tenham surgido. Destaca-se a Camerata carioca, liderada por Radamés Gnatalli, que abriu espaços para o surgimento de novos grupos como o Água de Moringa e a Orquestra Brasileira de Cordas.
Nos dias atuais, o choro é cultivado nas grandes cidades brasileiras, por meio de grupos musicais, clubes do choro, festivais de choro e escolas especializadas no gênero.
O crescente interesse de músicos estrangeiros pelo choro aponta para uma perspectiva de sua internacionalização no século XXI. Em países como França, Japão e Estados Unidos, existem clubes de choro empenhados em difundi-lo. Músicos estrangeiros lançam trabalhos voltados ao choro e colaboram na organização e divulgação de materiais didáticos, discos, livros e partituras a ele relacionadas.
Hoje o choro é uma linguagem musical que atinge pessoas de idades, gêneros, etnias e nacionalidades distintas. Ele vem se universalizando como gênero musical e incorporando novas influências da música atual. Ocupa espaços distintos como teatros, bares, praças públicas, salas de concerto e universidades, e é tocado por músicos solistas, grupos regionais, cameratas, bandas de música e orquestras sinfônicas. No entanto, o choro não perde a sua essência enquanto linguagem musical viva e criativa.
Eduardo Macedo (2011)
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<http://ensaios.musicodobrasil.com.br/annapaesochoroarvoregenealogica.htm>. Acesso em: 01 de setembro de 2010.

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