(Havia alertado que esse sítio é céu pra devaneios. Vou
seguindo a auto recomendação...)
Penso futebol ser análogo ao sistema tonal, onde são essenciais
as funções harmônicas básicas. Em música, no paradigma tonal ,dizem que são três
as funções.Tônica sugere a sensação de repouso.Em subdominante sentimos o afastamento
.A dominante tensiona a escuta , aproximando da função tônica.
Espiando um jogo de bola percebo que a organização dinâmica
ternária se estabelece em alternância da destruição, criação e finalização.
Vejam como são divulgados os Scouts numéricos das partidas: roubadas de bola, assistências,
finalizações. É uma espécie de divisão social da peleja onde os destruidores (defensores
) são menos valorizados social e
economicamente em comparação aos criadores
(meio campistas) ,que por sua vez são menos
valorizados que os finalizadores (atacantes) que por sua vez são menos valorizados
do que o Maestro.
Tal como as funções harmônicas em música,a destruição,a criação e a finalização são dependentes
entre si,ou melhor dizendo:uma ação pra existir, depende da oposição
complementar da outra ação.
Entretanto,dizem que no tonalismo há uma hierarquia entre as funções
em oposição à uma construção horizontal não hierarquizada presentes no
modalismo.Dado que futebol parece mas não é música ,e que música não se faz
apenas tonalmente, não deveria se nivelar a valoração dos jogadores de futebol de
acordo com a área do campo que desempenha seu papel e sim pelo domínio dos
fundamentos pra exercer qual função seja,na defesa, no meio ,no ataque, ou “nas
onze”.
Como a cadeia produtiva da bola é tonal na essência, há hipervalorização
dos atacantes em todas as partes do
mundo sob o argumento que são decisivos, definidores (produto),donos do orgasmo
(explosão) e da tônica(gol). Vide o comportamento, especialmente do
brasileiro,que via de regra, desde as categorias de base opta por jogar
ofensivamente,sob o argumento que essa é a “natureza do nosso futebol”,como se
fossemos os únicos dotados do instinto definidor tonal do atacante. Se na minha
pelada futsal em Belo Horizonte ou na babinha da praia em Salvador todos querem ser atacantes, fazer gol,
derrepente no ranca-toco em Berlim ou Dortmund o barato é defender, destruir, sem agredir,
afinal futebol é guerra que não derrama sangue.
Ajuda a entender porque grandes ídolos do futebol europeu atuaram
nos gramados na posição de defensores como Franz Beckenbauer,
Franco Baresi , Paolo Maldini , Fabio Cannavaro, Lothar Mathaus(meio campista,porém
atuava como um segundo volante) foram protagonistas de títulos mundiais em copas
do mundo e são mártires incontestes em seus países.Defensores brasileiros, mesmo sendo ídolos em seus clubes e na seleção
,não gozam do mesmo prestígio e não estão
no mesmo panteão dos zagueiros europeus.A única exceção que me vem a memória é Carlos
Alberto Torres. O Capita fez um golaço no jogo final e levantou a taça Jules Rimet ,a
copa do mundo de 1970.É um defensor, e mito no futebol!
Atualmente os maiores
destaques da atual seleção alemã, e especialmente na ocasião dos 7x1 com
requintes de crueldade, os volantes Bastian Schweinsteiger
e Toni Kroos, cumprem a priori a função defensiva.O maior artilheiro da história
das copas, o crudelíssimo e sem coração Miroslav Klose sabe destruir, combater
a saída de bola,recompor o meio ou mesmo acompanhar o lateral adversário, pois
aprendeu nas categorias de base. Na Alemanha, jogadores de linha passam por
todas as posições, do lateral direito ao centroavante, nos primeiros anos da
base, e isso faz toda a diferença.
Na contramão do bom senso futebol clube, o diretor de seleções da CBF, Alexandre Gallo propõe
unificar os padrões táticos das seleções de base ao invés de apostar na
criatividade e na diversidade como mentalidade de origem do futebol.Temos muito o que aprender.Os alemães estão jogando por música!
Nao bastasse em campo, perdemos fora, no planejamento, no calendário, na filosofia, na gestão.
7X1. Com requinte de
crueldade.
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No
verão europeu de 2009 estive em Lisboa e calhou de ir jogar bola com os gajos.
Fui convidado pelo querido violonista João Pires e pelo formidável produtor
musical André Xina pra uma pelada. Tomei emprestado as “sapatilhas “do João, vesti
a camisola do Galo (que há altura se encontrava líder do Brasileiro),pegamos o “autocarro”
e (fora as diferenças lingüísticas ,desde
o uso do “foda-se”,aos termos futebolísticos curiosos para nós, como sapatilhas, camisola, balisa, pelota,
selecionador, golo) me chamou a atenção: Os gajos ao me ver, disseram: -É
brasileiro... baixinho... toca cavaquinho...vai pro ataque!
A pelada foi um magro 1x0 com um gol meu, confesso, muito
fácil... Daqueles que até a Dona Zizi faria, mas tive o mérito tonal da conclusão,e
sai mais prestigiado que os defensores. A poeta e multiartista Brisa Marques (não
me deixa mentir!)filmou o momento do gol na minha câmera,que perdi na sequência,
em um taxi, antes de descarregar o arquivo.
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