terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sobre futebol,música e os 7x1


(Havia alertado que esse sítio é céu pra devaneios. Vou seguindo a auto recomendação...)

Penso futebol ser análogo ao sistema tonal, onde são essenciais as funções harmônicas básicas. Em música, no paradigma tonal ,dizem que são três as funções.Tônica sugere a sensação de repouso.Em subdominante sentimos o afastamento .A dominante tensiona a escuta , aproximando da função tônica.
Espiando um jogo de bola percebo que a organização dinâmica ternária se estabelece em alternância da destruição, criação  e  finalização. Vejam como são divulgados os Scouts numéricos das partidas: roubadas de bola, assistências, finalizações. É uma espécie de divisão social da peleja onde os destruidores (defensores ) são  menos valorizados social e economicamente em comparação aos  criadores  (meio campistas) ,que por sua vez são menos valorizados que os finalizadores (atacantes) que por sua vez são menos valorizados do que o Maestro.
Tal como as funções harmônicas em música,a  destruição,a criação e a finalização são dependentes entre si,ou melhor dizendo:uma ação pra existir, depende da oposição complementar da outra ação.
Entretanto,dizem que no tonalismo há uma hierarquia entre as funções em oposição à uma construção horizontal não hierarquizada presentes no modalismo.Dado que futebol parece mas não é música ,e que música não se faz apenas tonalmente, não deveria se nivelar a valoração dos jogadores de futebol de acordo com a área do campo que desempenha seu papel e sim pelo domínio dos fundamentos pra exercer qual função seja,na defesa, no meio ,no ataque, ou “nas onze”.
Como a cadeia produtiva da bola é tonal na essência, há hipervalorização  dos atacantes em todas as partes do mundo sob o argumento que são decisivos, definidores (produto),donos do orgasmo (explosão) e da tônica(gol). Vide o comportamento, especialmente do brasileiro,que via de regra, desde as categorias de base opta por jogar ofensivamente,sob o argumento que essa é a “natureza do nosso futebol”,como se fossemos os únicos dotados do instinto definidor tonal do atacante. Se na minha pelada futsal em Belo Horizonte ou na babinha da praia em Salvador  todos querem ser atacantes, fazer gol, derrepente no ranca-toco em Berlim ou Dortmund o barato é defender, destruir, sem agredir, afinal futebol é guerra que não derrama sangue.
Ajuda a entender porque grandes ídolos do futebol europeu atuaram nos gramados na posição de defensores como Franz Beckenbauer, Franco Baresi , Paolo Maldini , Fabio Cannavaro, Lothar Mathaus(meio campista,porém atuava como um segundo volante) foram protagonistas de títulos mundiais em copas do mundo e são mártires incontestes em seus países.Defensores brasileiros, mesmo sendo ídolos em seus clubes e na seleção ,não  gozam do mesmo prestígio e não estão no mesmo panteão dos zagueiros europeus.A única exceção que me vem a memória é Carlos Alberto Torres. O Capita fez um golaço no jogo final e levantou a taça Jules Rimet ,a copa do mundo de 1970.É um defensor, e mito no futebol!
Atualmente os maiores destaques da atual seleção alemã, e especialmente na ocasião dos 7x1 com requintes de crueldade,  os volantes Bastian Schweinsteiger e Toni Kroos, cumprem a priori a função defensiva.O maior artilheiro da história das copas, o crudelíssimo e sem coração Miroslav Klose sabe destruir, combater a saída de bola,recompor o meio ou mesmo acompanhar o lateral adversário, pois aprendeu nas categorias de base. Na Alemanha, jogadores de linha passam por todas as posições, do lateral direito ao centroavante, nos primeiros anos da base, e isso faz toda a diferença.
Na contramão do bom senso futebol clube, o diretor de seleções da CBF, Alexandre Gallo propõe unificar os padrões táticos das seleções de base ao invés de apostar na criatividade e na diversidade como mentalidade de origem do futebol.Temos muito o que aprender.Os alemães estão jogando por música!
Nao bastasse em campo, perdemos fora, no planejamento, no calendário, na filosofia, na gestão.
7X1. Com requinte de crueldade.
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No verão europeu de 2009 estive em Lisboa e calhou de ir jogar bola com os gajos. Fui convidado pelo querido violonista João Pires e pelo formidável produtor musical André Xina pra uma pelada. Tomei emprestado as “sapatilhas “do João, vesti a camisola do Galo (que há altura se encontrava líder do Brasileiro),pegamos o “autocarro” e (fora as diferenças lingüísticas ,desde  o uso do “foda-se”,aos termos futebolísticos curiosos para nós, como  sapatilhas, camisola, balisa, pelota, selecionador, golo) me chamou a atenção: Os gajos ao me ver, disseram: -É brasileiro... baixinho... toca cavaquinho...vai pro ataque!
A pelada foi um magro 1x0 com um gol meu, confesso, muito fácil... Daqueles que até a Dona Zizi faria, mas tive o mérito tonal da conclusão,e sai mais prestigiado que os defensores. A poeta e multiartista Brisa Marques (não me deixa mentir!)filmou o momento do gol na minha câmera,que perdi na sequência, em um taxi, antes de descarregar o arquivo.

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